Momento Poético - 70
(imagem partilhada do Google)
Memórias de um búzio
Por detrás da porta dos meus anseios de criança
jazia um búzio que encontrei e guardei na memória
duma infância vivida entre acúleos de dor
e o prazer que exalava das buganvílias dos meus sonhos.
Colei-o na ansiedade dos ouvidos
e escutei
entre a bonança de tantos silêncios
que sem glória me viram nascer crescer e florir
uma canção
que me ciciava as libidinosas curvas e contracurvas
das ondas do mar
o sabor do salitre envenenado e dos limos
que me sussurrava a longa história
desse mar aberto de silêncios e gumes de espuma
exalando aromas de sal e sargaços.
que me recordava as noites de bruma
e a boémia contradança das areias e do vento
desfazendo-se em abraços
às lapas e mexilhões que
na avidez de cio marinho
beijavam a rudeza da penedia.
Na dolência sonora
ouvia-se o piar duma gaivota
chorando a verde maresia dos seus olhos
na lassidão soturna dum casco de traineira
que moribunda se embalou em negra rota
na busca imaginária de piratas e sereias.
Bem juntinho aos ouvidos
contava-me que a pérfida sageza das sereias
rasgou de traição o coração dos pescadores
que por elas ensandeceram de amores.
Ébrios de ilusões
foram sugados pelas entranhas das areias
afogados em sonhos que falavam de canções
de palácios e tesouros marinhos
promessas de peixes dourados
imergindo no silêncio dos abismos
na torre de marfim dos insondáveis mistérios
No búzio
que resguardei num cantinho
da minha memória infantil
cofre de mil questões sem respostas
buscava muitas vezes o som dos cânticos alados
o marulhar das ondas do meu espanto
em praias de areias sem fim,
como criança feliz
embalada nos braços dos deuses.
(batista_oliveira - 30/01/2015)