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DIVAGAR DEVAGAR-2

Na lonjura do horizonte a busca etérea da luminosidade espiritual...da doçura do sonho, às agruras da realidade.Palavras e imagens que, devagar, divagam entre ignotas luzes, sombras e penumbras, de ciclos de vidas incertas e perdidas.

Na lonjura do horizonte a busca etérea da luminosidade espiritual...da doçura do sonho, às agruras da realidade.Palavras e imagens que, devagar, divagam entre ignotas luzes, sombras e penumbras, de ciclos de vidas incertas e perdidas.

Momento Poético - 62

 

parto1.jpg

 (pintura da artista canadiana Amanda Greavette)

 

Nascido a cinco de outubro

 

Naquele tempo a vida pé ante pé

penetrava portas dentro

e brotava em jorros de luz e riso

entre doces explosões

de mãos e corações entrelaçados

como se a morte fosse coisa nenhuma

e o parto o néctar dos lares.

 

No silêncio pastoso de vozes e olhares furtivos

por detrás de frestas e reposteiros  

murmurando ladainhas de expectativa e medo

entre gritos freneticamente

abafados por anseios

e perdidos nas mordeduras de dentes famintos

nasci a cinco de outubro

domingo beijado por festa republicana.

 

O primeiro vagido triunfante

lançou-me às pétalas dos quatro ventos

nos instantes em que se entoavam

nos sóbrios claustros dos conventos

as matinas das oito horas

segundo o vade-mécum

e memórias de minha mãe.

 

Visionários crentes e anónimos

intérpretes de estrelas cadentes

e cometas vadios

olhos sonâmbulos do planeta

horoscopizaram-me entre pratos de balança  

ano de graças e desgraças de 1952.

Predestinaram-me sem destino

vagabundo dum mundo funesto

com o fado a traçar a bissectriz

numa soma de vidas sem resto.

 

Mirando paredes de suor frio

construído por bafos de dor

e lágrimas de prazer

senti as agulhas da luz do dia

no meu rosto coberto

de pingentes amnióticas

resquícios do ninho de maturação.

Senti o riso e o silêncio abafado das pessoas

o movimento anacrónico das portas

o ruído da cama e das cadeiras

e o cadenciado marulhar das horas.

 

Ouvi ou então sonhei

Um grito ridente e de espanto

“tem pila…é rapaz!...”

Segundo da prole

nimbado de boas  e rijas carnes

inteiro na essência

fruto da combustão de amores ardentes

tecido entre o emaranhado

de farrapos, tesouras,  linhas e agulhas.

 

Narinas escancaradas

senti ou sonhei

o aroma da nicotina e do café

o cheiro suado dos corpos

o mofo enjoativo das roupas

o odor irritante das bolas de naftalina.

 

Senti depois

que a curiosidade alheia

se diluiu por detrás das portas e cortinas

levando consigo

as litanias e benzeduras

num metálico rasto

de palavras silenciosas.

deixando a ternura a doçura e a paz

na mansidão do meu berço.

 

Minutos depois

num arrebatamento amoroso

fundido ao peito materno

senti e respirei

a volúpia afetuosa

dos primeiros prazeres da carne.

 

(batista_oliveira - 05/10/2017)

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